terça-feira, 30 de agosto de 2011

Funcionários de companhia estadual serão intimados a depor sobre manutenção de bondes de Santa Teresa

Fonte: O Globo

O delegado titular da 7ª DP (Santa Teresa), Tarcisio Jansen, disse que vai enviar, ainda durante esta terça-feira, um ofício à Companhia estadual de Engenharia de Transporte e Logística (Central), que administra os bondes de Santa Teresa. Ele quer informações técnicas e administrativas sobre a manutenção dos veículos e a dotação orçamentária da empresa para saber se os recursos são suficientes para a manutenação dos bondes. Nesse ofício, todos os técnicos e funcionários da Central serão intimados a depor formalmente para explicar como é feito o trabalho com os veículos. No sábado, um bondinho descarrilhou matando cinco pessoas e ferindo outras 57.

Jansen acrescentou que o laudo da perícia deve ficar pronto no período de 15 a 20 dias a contar de sábado, data do acidente. As testemunhas, segundo ele, estão sendo ouvidas aos poucos, à medida que são liberadas do hospital. Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli estiveram nesta terça na oficina dos bondes de Santa Teresa recolhendo material para análise na tentativa de descobrir as causas do acidente. Entre o material recolhido está a sapata do freio do bonde acidentado, que fora trocada dias antes da tragédia. Na segunda, o Sindicato dos Ferroviários já havia levantado suspeitas sobre o funcionamento dessa peça, pedindo uma vistoria do equipamento. Enquanto isso, o baixo de Santa Teresa segue em luto. No local do acidente, na Rua José Murtinho, o filho do mortorneiro Nelson Gouvea, que conduzia o bonde, colou um cartaz agradecendo aos moradores do bairro pelo "carinho com pai".

Reportagem publicada pelo GLOBO nesta terça-feira mostrou que o arame que substituía um parafuso no bondinho que descarrilou pode ser apenas a ponta de um problema muito maior : a falta de recursos para a manutenção adequada dos trens. Um levantamento feito no Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafem) mostra que o governo empenhou (reservou para pagamento), em 2007 e 2008, apenas 7% do previsto no programa de "revitalização, modernização e integração de bondes", que consta do orçamento da Companhia de Engenharia de Transportes e Logística (Central), responsável pelo transporte. Esse programa não aparece na execução orçamentária do órgão em 2009 e 2010. Na soma dos quatro anos, o governo também reduziu em 14% os recursos destinados à "manutenção das atividades operacionais e administrativas" da Central.

Com relação aos investimentos, a Central tinha uma programação de R$ 620 milhões para o período 2007-2010, mas só empenhou 34% desse montante (R$ 214 milhões). Esses recursos fazem parte do orçamento total da Central, que, até o início deste ano, administrava também a ligação Guapimirim-Saracuruna, que foi repassada para a Supervia.

Questionada, a Secretaria estadual de Transportes, órgão ao qual a Central é vinculada, apresentou outros dados. Informou que desde 2007 foram destinados R$ 14 milhões para a compra de equipamentos para os bondes e este ano foram repassados R$ 350 mil para a manutenção e assistência técnica preventiva. O órgão não explicou, no entanto, quanto aplicou em manutenção entre 2007 e 2010, período analisado pelo GLOBO. A secretaria acrescentou também que o bonde envolvido no acidente estava com a manutenção em dia.

Os últimos reparos foram feitos na quinta-feira passada. "Todas as sapatas do freio foram trocadas no mês de agosto", diz a nota da secretaria. Já o governador Sérgio Cabral, que está no Espírito Santo, não quis comentar o acidente com o bondinho.

Segundo os dados do Siafem, o estado pretendia aplicar R$ 1,8 milhão com a revitalização e modernização em 2007 e 2008, mas só empenhou (reservou para pagar) R$ 133 mil. Nos anos seguintes, não há registros desse programa no orçamento da Central. Outros dados mostram que a companhia não conseguiu realizar todo o seu planejamento.

De 2007 a 2010, a Central previu desembolsar R$ 31,6 milhões com a manutenção de suas atividades operacionais, mas reduziu o orçamento para R$ 27 milhões - ou seja, uma queda de R$ 4,4 milhões (14%).

Na Central, os engenheiros sabem que os recursos para a manutenção dos bondinhos não seguem uma programação orçamentária adequada. Engenheiro da companhia e membro da direção do Sindicato dos Engenheiro do Rio (Senge-RJ), Jorge Saraiva da Rocha afirmou que os repasses para a manutenção " às vezes sequer são utilizados para esta finalidade". Rocha acrescentou que o serviço de reparos é "totalmente inadequado".

- Há poucos recursos para a manutenção e, muitas vezes, o dinheiro previsto no orçamento não chega para ser aplicado em manutenção. O trabalho de manutenção dos bondinhos é totalmente inadequado. Não existe uma programação.

No ano passado, o Senge-RJ elaborou um estudo sobre os investimentos que seriam necessários para recuperar o sistema de trilhos sob a responsabilidade da Central. O estudo foi entregue ao governo mas, segundo Saraiva, nunca houve resposta. O estudo previa o investimento de R$ 11,3 milhões nos sistema de bondes de Santa Teresa.

Para o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), que fez o levantamento no Siafem a pedido do GLOBO, os números indicam que o governo deixou de priorizar a manutenção dos bondes:

- Somente após o trágico acidente ocorrido é que o governo veio a público dizer que vai dar prioridade à modernização dos bondinhos.

O valor destinado à compra de equipamentos (R$ 14 milhões) informado pela Secretaria de Transportes é semelhante ao que consta no contrato firmado entre o governo e a empresa TTrans - Sistemas de Transportes S/A para a modernização dos bondes de Santa Teresa. Analisado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), o contrato e cinco termos aditivos relativos à ele foram considerados ilegais devido à incompatibilidade dos valores que deveriam compor todo o serviço. O TCE informou que outros cinco termos aditivos relativos ao mesmo contrato estão sob análise.

A Secretaria de Transportes alega que a decisão do TCE é um dos fatores que atrasaram a modernização, uma vez que ela impede o repasse de recursos para a empresa. Mas afirma que ela deve cair nas próximas semanas. Para o governo, o TCE considerou o contrato ilegal diante da dificuldade de se fazer uma tomada de preços do material utilizado na modernização dos bondes, que, segundo a secretaria, é feito sob medida. Mesmo assim, o órgão afirma que cumprirá as exigências do tribunal ainda este mês.

O Sindicato dos Ferroviários criará uma comissão para acompanhar as perícias do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e do Crea-RJ, que vão apontar as causas do acidente com o bonde em Santa Teresa, na tarde do último sábado, que deixou cinco mortos . Em assembleia realizada nesta segunda-feira, eles apontaram uma série de problemas na operação dos bondes que, segundo os sindicalistas, tem uma média de dois mil passageiros por dia, chegando até quatro mil no período de férias. O sindicato vai pedir ainda a vistoria no sistema de frenagem.

De acordo com Pedro Ricardo de Oliveira Neto, diretor financeiro do sindicato, um dos principais problemas é a má qualidade do material usado na manutenção dos bondes.

Além disso, ele apontou a demissão de mão de obra especializada nos últimos anos como uma das causas do problema com os tradicionais veículos. Em 2008, segundo ele, a empresa que administra os bondes demitiu 849 funcionários. Só esse ano, foram cerca de 120 demissões. A média salarial dos empregados é de R$ 700. Um maquinista ganha, no máximo, R$ 450. Enquanto isso, não há novas contratações e a demanda de passageiros aumenta. Ele lembra que no início dos anos 90 eram 14 bondes em operação.

Hoje, são cinco, sendo que sempre há um fora de circulação.

- O material usado nos bondes é de baixa qualidade. Estamos verificando, por exemplo, qual era a qualidade da sapata trocada há poucos dias no bonde. Na rede aérea, também é usado uma presilha de baixa qualidade. Por isso, o bonde está sempre soltando. Há também a questão da troca do trilho. Parte foi trocada recentemente e o trilho está muito desgastado. No geral, os bondes têm uma manutenção precária e quando passam pela manutenção não tem peça apropriada para resolver os problemas encontrados. A última grande reforma dos bondes antigos foi nos anos 80 - disse Pedro Ricardo.

Segundo o sindicalista, pequenos acidentes têm sido frequentes, mas não chegam a ser noticiados. Ainda de acordo com ele, esses acidentes acontecem devido ao aumento da demanda e a redução do número de bondes.

- Não tem peça. Em vez de trocar, remenda - afirma.

No dia 15 de setembro a Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) vai realizar uma audiência pública para debater a situação dos bondes de Santa Teresa. A reunião já estava marcada para essa data desde a morte de um turista francês que caiu do bondinho no momento em que ele passava sobre os Arcos da Lapa, no dia 24 de junho.

A comissão convocará os responsáveis pela Central Logística, empresa do governo que administra os bondes de Santa Teresa. Também serão convidados o secretário Estadual de Transportes, Júlio Lopes, representantes do Ministério Público, do Crea-RJ, e da Associação de Moradores de Santa Teresa.

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