quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Trens: Como os doutores não podem trocar de povo, o povo poderia arrumar outro concessionário de trens.

por Elio Gaspari

Atendendo a um pedido do Ministério Público, a 13 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que a SuperVia, concessionária dos serviços de transporte ferroviário da cidade, conserte e mantenha em funcionamento as escadas rolantes que dão acesso às estações do Méier e de Madureira. O Tribunal de Justiça teve que entrar no caso porque a empresa não cuidava das escadas, atrapalhando o acesso da patuleia às estações. Pior. Ela se recusou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta e, segundo a promotoria, argumentou que, para o correto funcionamento das escadas, seria necessária "uma mudança nos padrões culturais da população, reeducando-a a preservar o patrimônio público".

A SuperVia produziu um documento histórico, primoroso exemplo de demofobia, o horror ao povo. Quem vai reeducar a população? A SuperVia, que foi multada em cerca de R$ 150 mil porque em 2009 seus jagunços chicotearam passageiros que estavam na estação de Madureira. Na ocasião, o diretor de Marketing da empresa procurou educar a população, ensinando: "Todos os passageiros que cumprem as regras são excelentemente tratados. Aqueles que são marginais, prendem a porta e fazem baderna não podem ter o mesmo tratamento". Falso. Imagens gravadas mostravam capangas agredindo passageiros que estavam dentro do vagão. O doutor foi mantido no cargo e quatro jagunços, aos quais havia sido dado apenas um dia de treinamento, foram sumariamente demitidos.

A ideia de que o brasileiro precisa ser reeducado é uma interessante manifestação demofóbica. Todos os brasileiros? Inclusive os diretores da SuperVia? Só aqueles que usam os serviços da empresa? Que tal reeducar a SuperVia?

O metrô mantém dezenas de escadas rolantes, inclusive aquelas que dão acesso ao lindo edifício da velha Central do Brasil. Funcionam perfeitamente. Aqui e ali aparecem problemas e atos de vandalismo. Daí a se atribuir à população uma genérica falta de educação vai distância enorme. Problemas sempre ocorrem, uns provocados por vândalos, outros, por doutores. Até hoje, a SuperVia não cumpriu suas próprias metas e, com alguma razão, diz que o governo do Estado descumpriu parte do que havia combinado. Este, por sua vez, mimou a empresa prorrogando por 25 anos o contrato de concessão do serviço. Em novembro acreditava-se que todos ficariam felizes porque a Odebrecht parecia prestes a ficar com o negócio. Essas encrencas não seriam suficientes para se achar que os empresários e governantes brasileiros precisam ser reeducados para que se possa preservar o patrimônio público. Assim como nas estações de Madureira e do Méier, basta ficar de olho na freguesia, dissuadindo visigodos que destroem escadas e ostrogodos que negociam privatarias.

Choldra mal-educada, herança escravocrata, legado da colonização ibérica, preguiça tropical e outros menosprezos são artifícios criados pelo andar de cima para defender seus interesses em nome do horror ao povo. Quando um sujeito diz que o brasileiro não sabe fazer isso ou aquilo, cabe sempre a pergunta: "Inclusive você?". Nunca, o brasileiro inepto é sempre o outro, e o argumento da sua incapacidade frequentemente serve a um interesse. No caso, um cascalho, não consertar as escadas rolantes das estações do Méier e de Madureira.

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