domingo, 27 de junho de 2010

Uma viagem entre as estações Botafogo e Pavuna retrata como um meio de transporte eficiente saiu do trilho

Fonte: O Globo

Por Fabio Brisolla

RIO - Ao parar na estação Botafogo, o metrô com destino à Pavuna é aguardado com ansiedade pelos passageiros. O alarme sonoro que sinaliza a abertura da porta automática funciona como um sinal de largada. Nos segundos seguintes, tem início o empurra-empurra. Todos forçam a entrada ao mesmo tempo na tentativa de conseguir um assento no vagão e garantir certo conforto na viagem com mais de uma hora de duração até o ponto final da Linha 2, na Zona Norte do Rio. Esta cena se repete de segunda a sexta, entre 17h e 19h, e retrata um problema que se tornou crônico no meio de transporte mais festejado da cidade até bem pouco tempo atrás: a superlotação.

Na semana passada, a reportagem do GLOBO circulou pelo metrô para acompanhar a rotina dos passageiros cariocas, que foi registrada pelo fotógrafo Gustavo Pellizzon em imagens captadas com a câmera do celular. Nas viagens realizadas, foi possível constatar que a volta para casa após o trabalho virou um motivo de transtorno para milhares de pessoas.

Com 32 trens, que somam 182 vagões, o sistema atual realiza o transporte de 550 mil pessoas por dia. Nos horários de pico, as composições disponíveis são insuficientes para dar conta do movimento. O problema resulta em tumultos constantes, como os verificados no embarque em Botafogo. A professora Natalia Carmo, de 24 anos, já se adaptou à dinâmica na plataforma. Cercada por quase 20 pessoas, ela se posiciona na linha demarcada no chão, que indica onde a porta automática vai abrir.

Quando percebe que não vão conseguir lugar, Natalia e alguns outros passageiros desistem de entrar e param na beira da plataforma. Sem ninguém à frente, ela terá o caminho livre para buscar um assento no próximo trem, que viria sete minutos depois.

- Quando a porta abre, vou direto para o lado esquerdo. É melhor definir antes a direção - ensina a professora.

O próximo trem chega e, empurrada pelos passageiros que estão atrás, ela entra no vagão. Desta vez, consegue um lugar. Moradora da Pavuna, Natalia trabalha numa escola em Botafogo e, quando está com pressa, desiste da disputa por uma cadeira. No tumultuado embarque, ela já presenciou acidentes.

- Já vi uma moça cair no chão ao tentar conseguir um lugar para sentar. E os que vinham atrás passaram por cima - conta Natalia.

Em outra ocasião, ela viu uma mulher perder o equilíbrio por causa dos empurrões e bater com o rosto na haste de metal em que os passageiros seguram.

Na passagem pelo Centro, entende-se por que os usuários se esforçam para conseguir um lugar no início da viagem. Após as estações Cinelândia, Uruguaiana e Central, os vagões superlotam. No alto-falante, o condutor avisa que não vai sair se as portas não forem fechadas. De fora, alguns passageiros pressionam os que já estão no vagão para abrir espaço. Outros reagem empurrando no sentido contrário os que tentam entrar. Quando o trem segue viagem, o espaço é exíguo a ponto de dificultar até mesmo a movimentação dos braços. A cada parada mais brusca, as pessoas tentam manter o equilíbrio mas acabam sendo jogadas de um lado para o outro, numa coreografia involuntária.

Em pé, ao lado de uma das portas do vagão, o pedreiro Gileno dos Santos, de 52 anos, aparenta cansaço. Morador da Pavuna, ele atualmente trabalha numa obra em São Conrado, na Zona Sul. Encerra o expediente às 18h e segue de ônibus até o metrô em Ipanema, trajeto que dura aproximadamente 40 minutos. Da estação até a Pavuna, a viagem se estende por mais uma hora.

- De manhã, eu saio de casa antes das 6h para pegar a condução mais vazia. Mas, de tarde, não tem jeito. A volta é sempre mais difícil - lamenta o pedreiro.

Inaugurado em 1979, com apenas cinco estações (Praça Onze, Central, Presidente Vargas, Cinelândia e Glória), o metrô se expandiu lentamente. Mais de 30 anos depois, soma apenas 34 estações, distribuídas em duas linhas, que percorrem 37,7 quilômetros. Já o metrô da cidade de São Paulo, por exemplo, transporta três milhões de pessoas diariamente, quase seis vezes mais passageiros. Criada em 1972, a rede paulistana contabiliza 61 estações em cinco linhas distintas e segue em expansão. Os atuais 62,3 quilômetros serão ampliados em mais 17, provavelmente no prazo de um ano.

O pedreiro Gileno não é um especialista em transporte público, mas acredita ter uma solução para o metrô carioca:

- É só botar mais carros que eu acho que resolve.

A sugestão do passageiro traria uma melhora considerável, como reconhece a própria direção da Metrô Rio, concessionária que administra o sistema desde 1998. Porém, essa alternativa está descartada pelos próximos 12 meses, no mínimo. Há uma encomenda de 114 vagões que serão fabricados na China e somados aos 182 já existentes, aumentando a frota em 62%. Só que a entrega dos trens, numa previsão otimista, começa no segundo semestre de 2011 e termina só no ano seguinte.

- Com uma frota maior, não teremos problemas. Mas hoje somos obrigados a usar todos os nossos carros. Se, eventualmente, perdemos um trem no horário de pico não há como substituí-lo - admite Joubert Flores, diretor de relações institucionais da Metrô Rio.

No mesmo trem em que o pedreiro Gileno continua sua viagem, há um anúncio da Metrô Rio destacando que 67% dos usuários aprovam a conexão direta entre as linhas 1 e 2. Até o fim do ano passado, quem saía da Zona Sul com destino à Pavuna era obrigado a desembarcar no Estácio, ponto de transferência. Porém, a conexão direta entre Botafogo e Pavuna despertou apreensão.

Em fevereiro, o Ministério Público contestou, através de uma ação, a segurança no cruzamento das duas linhas, além dos atrasos frequentes e das falhas recorrentes em equipamentos como os aparelhos de ar-condicionado. Houve acordo. A Metrô Rio comprometeu-se a reduzir os atrasos, iniciou a reforma nos equipamentos de ar-condicionado, prontificou-se a tomar providências para melhorar o funcionamento da rede. Porém...

- Na semana passada, recebi um relatório da Secretaria Estadual de Transportes informando sobre novos atrasos, com intervalos entre os trens chegando a até 19 minutos - afirma o promotor Carlos Andresano.

A professora Natalia e o pedreiro Gileno sabem exatamente do que o promotor está falando. Após 40 minutos de viagem, eles estão quase no fim de mais uma jornada. O trem já não está lotado, mas continua cheio. Uma senhora reclama de dores na perna por ficar em pé por muito tempo. Apoiando as mãos na haste de metal, um homem se mantém parado com os olhos fechados, quase dormindo de pé. O fim da espera é marcado pelo alarme da porta automática, que toca pela última vez na Pavuna, estação final.

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